“Sonhei que saía de outro – povoado de cataclismos e tumultos – e que acordava num cômodo irreconhecível. Clareava: uma difusa luz geral definia o pé da cama de ferro, a cadeira estrita, a porta e a janela fechadas, a mesa em branco. Pensei com medo, onde estou?, e compreendi que não sabia. Pensei, quem sou?, e não pude me reconhecer. O medo cresceu em mim. Pensei: esta vigília desconsolada já é o Inferno, esta vigília sem destino será minha eternidade. Então acordei de verdade: tremendo.” 


BORGES, Jorge Luis. A duração do Inferno. In: Discussão. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. P. 102.

 
 
o flamboyant

Nas noites, Norberto Paso carregava sacos no porto de Buenos Aires.
Nos dias, longe do porto, erguia esta casa. Blanca levantava para ele os tijolos e os baldes de argamassa, e as paredes iam crescendo em torno do quintal de terra.
Esta casa estava a meio fazer quando Blanca trouxe um flamboyant do mercado. Era uma árvore pequenina, ela havia pago um dinheirão, Norberto agarrou os cabelos:
- Você enlouqueceu - disse. E ajudou a plantá-la. 
Quando terminaram a casa, Blanca morreu. 
Agora se passaram os anos, e Norberto sai pouco. Uma vez por semana, viaja algumas horas até o centro da cidade, se junta a outros velhos que protestam porque a pensão da aposentadoria é uma merda que não dá nem para pagar a corda em que se enforcar.
Quando Norberto regressa, tarde da noite, o flamboyant está esperando.

Eduardo Galeano

Salão de Arte de Mato Grosso do Sul 2010

FCMS inaugura Salão de Arte de Mato Grosso do Sul – 2010


20/09/2010 | Gisele Colombo

divulgação
recurso
Campo Grande (MS) – A Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS) inaugura amanhã (21), o Salão de Arte de Mato Grosso do Sul – 2010. Para a iniciativa, sete artistas foram premiados e irão expor obras de arte contemporânea até 22 outubro no Museu de Arte Contemporânea (Marco).
O Salão de Arte de Mato Grosso do Sul é uma realização do Estado de Mato Grosso do Sul, por intermédio da FCMS que tem o objetivo de promover um diálogo ampliado com produção atual e propiciar uma reflexão sobre a produção cultural brasileira. Desta forma pretende contribuir na promoção, difusão e expansão da diversidade da linguagem artística e cultural, além de possibilitar a compreensão das múltiplas linguagens e expressões e não se limitar somente nas de caráter local.
“Este salão representa uma oportunidade para aqueles que estão em franca produção além de permitir aos apreciadores das artes plásticas, o contato com novas linguagens, tendências e criações”, afirmou a presidente da FCMS, Neusa Arashiro.
As obras de arte que foram selecionadas estão entre as categorias pinturas, gravuras, fotografias, vídeos e instalações, lidando com poéticas contemporâneas que tratam de questões e relações da arte com a política, o feminino e as identidades.
A Comissão de Premiação da FCMS escolheu 7 artistas de 20 selecionados, os quais receberam o prêmio no valor de R$ 6.000 cada um. Os demais artistas selecionados (13) para participarem do Salão de Arte de Mato Grosso do Sul receberam um prêmio no valor de R$ 1.000,00 cada um.
Integraram a Comissão de premiação Salão de Artes de Mato Grosso do Sul, a mestre, crítica e professora de Arte, Luiza Maria Interlenghi, que dirigiu o Centro de Arte Dragão do Mar em Fortaleza e a Escola de Artes Visuais do Parque Lage no Rio de Janeiro; o artista plástico Luiz Sérgio da Cruz de Oliveira, doutor em História da Arte pela escola do Rio de Janeiro, mestre em Artes Visuais pela Universidade de Nova Iorque e professor da Universidade Federal Fluminense; além do artista plástico Nivaldo Rodrigues Carneiro, mestre em Ciência da Arte - Área de Linguagens Visuais na EBA/UFRJ e professor coordenador do curso de Escultura da Escola de Belas Artes da UFRJ.
A Comissão enfatizou a importância do diálogo aberto com artistas participantes de outros estados, e a significação e continuidade do Salão de Artes de Mato Grosso do Sul em sua Edição 2010, evento importante para as artes do Estado e sua inserção no universo ampliado das artes brasileiras. Foram usados os seguintes critérios para avaliação da parte estética e artística: qualidade técnica contida na proposta, identidade própria e coesão de idéias, imaginação criativa e conjunto da obra.
Os 7 artistas premiados no Salão de Artes de Mato Grosso do Sul, foram: Cícero Rodrigues Araújo Neto – MS; Cláudio Siqueira Caropreso – SP; Danielle Carcalho Cavalcanti – RJ; Gabriela Silva Dias – MS; José Avito de Lima – MS; Karine Gomes Perez – RS; Nara Amélia Melo da Silva – RS.
Outras informações poderão ser obtidas na Gerência de Desenvolvimento e Difusão de Programas Culturais da FCMS, no telefone (67) 3316-9170, das 7h30 às 13h30 ou no Museu de Arte Contemporânea,  pelo telefone (67) 3326-7449, das 12h às 18h. O Marco fica na rua Antônio Maria Coelho, 6000, no Parque das Nações Indígenas.
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"a jóia falsa do meu câmbio", da série "animal de sacrifício", água-forte e aquarela, 2010.
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"o caminho para o meu coração", da série "animal de sacrifício",
água-forte e lápis de cor s/ papel fabriano rosaspina, 2010
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seu cansaço, algum dia, pareceu felicidade; em momentos assim, ele não era muito mais complexo que o cachorro. 
j.l.b. - a espera

“Corpos em cena” reúne trabalhos de oito artistas em mostra no Museu Hassis

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"assim que encontrei esqueci na calçada", políptico, gravura em metal, aquarela, bordado, desenho, 2009.




Entre os dias 10 e 29 de agosto, será realizada a Mostra “Corpos em cena”, coletiva de oito artistas que - através de objetos, desenhos, pinturas, fotografias e textos – apresentam trabalhos interligados pela problemática do corpo. “Todavia, não se trata da (re-) apresentação do corpo orgânico ou vivente, animado ou inanimado que se encontra disposto no mundo conhecido e circundante, mas de considerar a arte como criação de mundos povoados por criaturas dotadas de um corpo concebido pelo gesto artístico”, diz Rosângela Cherem que, em parceria com Nara Cristina Santos, faz a curadoria da mostra.



A exposição reúne trabalhos de mestres e mestrandos com pesquisa em artes visuais, firmando o início de uma parceria interinstitucional entre o PPGAV/Mestrado em Artes Visuais do Centro de Artes da UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina) e o PPGART/ Mestrado em Artes Visuais da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria). A mostra conta com a participação das artistas:Fernanda Trentini, Juliana Crispe, Márcia Souza e Vera Bagatoli da UDESC, Karine Perez, Michele Martines, Milene Tonelloto e Nara Amélia da UFSM.

 

Curadoras - Profa Dra Rosangela Cherem (PPGAV/UDESC) e Profa Dra Nara Cristina Santos (PPGART/UFSM)

Assistentes curadoria

Karin Orofino (UDESC) e Giovanna Caimiro (UFSM)

Colaboração - Milene Tonellotto



Serviço

Mostra CORPOS EM CENA

Abertura - 10 agosto às 20h - Exposição - 10 a 29 de agosto de 2010

Local - Na Fundação Hassis - Rua Luiz Costa Freysleben,87

Itaguaçu – Florianópolis - Fone 3348-7370

 

Evento gratuito e aberto ao público


tendência

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tendência da série zebar - animal de sacrifício
esferográfica sobre papel, 2010

animal de sacrifício

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mercê, da série zebar - animal de sacrifício. caneta esferográfica sobre papel, 2010.
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um cruzamento


 

“Tenho um animal curioso, metade gatinho, metade cordeiro. É uma herança de meu pai. Em meu poder ele se desenvolveu por completo: antes era mais cordeiro que gato. Agora é meio a meio. Do gato tem a cabeça e as unhas, do cordeiro o tamanho e a forma; de ambos, os olhos, que são esquivos e faiscantes, a pele suave e ajustada ao corpo, os movimentos ao mesmo tempo dançarinos e furtivos. Deitado ao sol, no vão da janela, vira um novelo e ronrona; no campo corre como louco e ninguém o alcança. Foge dos gatos e quer atacar os cordeiros. Nas noites de lua, seu passeio favorito é a canaleta do telhado. Não sabe miar e tem horror de ratos. Passa horas e horas de tocaia diante do galinheiro, mas jamais cometeu um assassinato.

“Alimento-o com leite; é o que lhe cai melhor. Sorve o leite em grandes goles entre seus dentes de animal de rapina. Naturalmente é um grande espetáculo para as crianças. A hora da visita é aos domingos pela manhã. Sento-me com o animal sobre os joelhos, e todas as crianças da vizinhança me rodeiam.

“Formulam-se então as perguntas mais extraordinárias, que nenhum ser humano pode responder: por que existe só um animal assim, por que seu possuidor sou eu e não outro, será que antes já houve um animal semelhante, e o que acontecerá depois de sua morte, será que se sente só, por que não tem filhos, como se chama, etc. Não me dou ao trabalho de responder; limito-me a exibir minha propriedade, sem maiores explicações. Às vezes as crianças trazem gatos; uma vez chegaram a trazer dois cordeiros. Contrariando suas esperanças, não se produziram cenas de reconhecimento. Os animais se olharam com mansidão com seus olhos animais e se aceitaram mutuamente como um fato divino. Sobre meus joelhos, o animal ignora o temor e o impulso de perseguir. Aninhado contra mim, é como melhor se sente. Apega-se à família que o criou. Essa fidelidade não é extraordinária; é o reto instinto de um animal que, embora tenha na Terra inúmeros laços políticos, não tem um único consangüíneo, e para quem o apoio que encontrou em nós é sagrado.

“Às vezes tenho de rir quando ele resfolega ao meu redor, enreda-se nas minhas pernas e não quer se afastar de mim. Como se não lhe bastasse ser gato e cordeiro, também quer ser cachorro. Uma vez – isso acontece com qualquer um – eu não via como sair de dificuldades econômicas, estava a ponto de acabar com tudo. Com essa idéia na cabeça, me embalava na poltrona de meu quarto com o animal sobre os joelhos; tive a idéia de baixar os olhos e vi lágrimas gotejando sobre seus grandes bigodes. Eram dele ou eram minhas? Será que esse gato com alma de cordeiro tem orgulho de um homem? Não herdei muita coisa de meu pai, mas vale a pena cuidar desse legado.

“Tem a inquietude dos dois, do gato e do cordeiro, embora sejam inquietudes muito diferentes. Por isso seu couro o aperta. Às vezes salta para a poltrona, apóia as patas da frente em meu ombro e aproxima o focinho do meu ouvido. É como se falasse comigo, e de fato vira a cabeça e me olha respeitoso para observar o efeito de sua comunicação. Para agradá-lo, faço de conta que entendi e movo a cabeça. Ele salta para o chão e brinca ao meu redor.

“Talvez a faca do açougueiro fosse a redenção para esse animal, mas devo recusá-la porque ele é uma herança. Por isso terá de esperar até que seu alento acabe, embora às vezes me olhe com razoáveis olhos humanos, que me instigam ao ato razoável.”




Franz Kafka

BORGES, Jorge Luis. O livro dos seres imaginários. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. P. 67.